Falar sobre morte é
algo a que não me furto, sobretudo quando se trata de algo que abrange aspectos
que me são particularmente caros.
Embora esteja muito
recente o ocorrido, senti necessidade de escrever algo a respeito.
Não direi que
acompanho o Linkin Park como o faço com algumas de minhas bandas favoritas
(Iron Maiden, Rhapsody of Fire, Nightwish, Kamelot, Mägo de Oz, Edguy, Within
Temptation etc.), mas a sonoridade única alcançada por eles, casada à voz de
Chester Bennington, é um fenômeno dos mais notáveis. Passível mesmo de ser
comparado ao Nirvana, no começo da década de 90.
A morte é sempre
algo que choca a nós ocidentais, habituados que estamos a denegar a finitude
até o momento em que ela se mostra inexorável diante de nós. E nos choca tanto
mais, dependendo das circunstâncias em que ela venha a ocorrer. No caso de
Chester, que deixa o palco da vida - até onde é dado saber - por uma decisão
voluntária, como o ato derradeiro de uma existência marcada por experiências
assaz dolorosas, o impacto é ainda maior e mais pungente.
Não me deterei a
perscrutar as razões por trás do gesto, tampouco me ocuparei de tentar esboçar
uma biografia do músico que ora parte. O que vou buscar aqui são as correlações
entre a obra do artista e o seu trágico epílogo.
Creio que não há
exagero em comparar o desfecho da atribulada existência de Chester ao de nomes
como Camilo Castelo Branco e Antero de Quental, no final do século XIX. Os dois
últimos, renomados literatos portugueses que alcançaram notoriedade através de
suas criações artísticas, viveram com intensidade aquilo que se propunham a
fazer e, no fim das contas, foram intensos ao ponto de findarem suas vidas por
um ato volitivo. Mais recentemente, no século que passou, nomes como Elis
Regina, Janis Joplin, Raul Seixas, Cazuza, Renato Russo e Kurt Cobain – embora este
último ainda seja considerado uma incógnita – tiveram final semelhante. Alguns
sucumbindo num ato deliberado, muitas vezes decorrente de overdose, outros tendo
vindo a falecer por complicações subseqüentes de abuso de substâncias
psicoativas, ou de desregramentos outros. De qualquer forma, eles guardam
semelhanças entre si. Grandes nomes da literatura e da música que saem subitamente
de cena, consumidos pela própria sede de viver com a máxima intensidade
possível, como se a morte se configurasse como sendo a última experiência
inédita a ser considerada.
A hipótese do
suicídio, até aqui considerada a mais plausível para o desfecho da trajetória
do vocalista e letrista do Linkin Park, parece se confirmar de forma indelével
quando consideramos algumas de suas composições. Embora a dinâmica de
composição de Bennington fosse mais ou menos uniforme, evidenciando uma dor
existencial tão profunda quanto dilacerante, há momentos em que se observa algo
muito semelhante às “cartas-testamento”, costumeiramente legadas por suicidas
nos ritos que antecedem o ato supremo. Canções
como “Somewhere I Belong”, “Leave Out All The Rest”, “Faint”, “In The End”, “Numb”,
“Shadow of the Day” e “New Divide”, parecem reunir elementos comuns a esse tipo
de escrito, quando se perscruta nas entrelinhas do texto musical. Soma-se a isso, a data em que o ato fatal veio
a ocorrer: o aniversário de Chris Cornell, um dos seus amigos mais próximos e
que viera a dar cabo da própria vida de forma similar à concebida por Chester.
Fulgurante como uma
estrela cadente ao entrar na atmosfera terrestre, Chester segue a mesma
trajetória trágica de outros ícones da música e da arte, conforme já mencionado
antes. Depois de marcar toda uma geração e de certamente vir a influenciar as
vindouras, sai de cena como na apoteose de uma tragédia, deixando atônitos e
consternados todos os que o acompanhavam. Uma tragédia íntima, da qual só era
possível vislumbrar alguns poucos lances através das suas letras e da sua
performance sempre visceral nos palcos, onde parecia querer materializar toda a
dor que o consumia enquanto levava a sua voz ao extremo, em agudos que poderiam
dilacerar a garganta de qualquer mortal e que, num dado momento, lhe trouxeram
e também revelaram complicações de saúde. A dor que o pungia por mais de uma
vez se tornou física, materializando-se no corpo, mas nem isso foi suficiente
para expurgá-la.
Ainda que se repita
à exaustão lugares-comuns como: “ele tinha tudo que alguém poderia querer...”; “tinha
alguém que amava, deixa filhos menores...”; “o que poderia faltar para alguém
como ele?” e, o mais grave de todos os clichês e comentários desnecessários: “foi
fraqueza” ou “foi falta de Deus”. Há muita pressa em julgar e encontrar
culpados e praticamente nenhuma diligência em se buscar compreender a conjuntura
que perpassa um fenômeno tão dilacerante como o é o suicídio. Ninguém, em sã
consciência, cogita de dar cabo da própria existência, a menos que considere a
morte menos dolorosa e assustadora do que a dor que lhe consome. Até aqui, é isso o que parece ter acometido
Chester. A morte seria a última porta, a última fronteira que lhe restava
transpor, num projeto inconscientemente elaborado pelo próprio e cujas pistas
transparecem em muitas de suas composições.
Na qualidade de fã
do Rock como um todo, sinto a dor que este evento desencadeia, por deixar uma
legião de admiradores na orfandade. Na qualidade de profissional da Psicologia,
chama-me a atenção de forma ainda mais pungente a maneira como Chester se vai,
além, é claro da dor inenarrável que se desenha para os familiares e amigos
mais próximos, pois se a morte é algo que fere, a morte pelo suicídio sempre
tem algo de mais dilacerante, por dar a impressão de que o amor e o cuidado
despendidos com o ente querido que prefere abraçar o túmulo a seguir ao lado
dos que o amam, de nada valeram diante do impulso da autodestruição.
A obra, certamente,
sobreviverá ao artista e ganhará ainda mais relevo com o passar do tempo. Mas
que a verdadeira eternização do seu legado se dê pela constatação de dois
aspectos de maior relevo: 1) a arte é via de sublimação e elaboração de afetos
muita vez impronunciáveis; 2) às vezes apenas a criação artística não é o
suficiente. O apoio da família, de amigos e de profissionais pode fazer a
diferença.
Depressão, transtorno
bipolar, ou o quer que seja, o fato é que a dor existencial levou Chester à
beira do abismo e, depois de muito olhar nos olhos de abismo, o salto fatal
acabou se consumando. A dor mais
profunda que um ser humano pode experimentar é justamente aquela que escapa às
palavras e para a qual nenhuma receita pronta parece servir. Diante dessa
conjuntura, a melhor conduta a ser adotada é sempre a da escuta e do apoio,
lembrando, porém, que tal escuta e tal apoio jamais são tarefas solitárias.
Resgatar alguém do abismo da dor existencial é tarefa das mais complexas e
ninguém logrará realizá-la sozinho.
Adeus, Chester.
Obrigado por marcar a sua geração e mesmo a mim, que já não fazia parte
(diretamente) da geração que acompanhou de perto o Linkin Park. Que, onde quer
que esteja, você possa realmente encontrar o lugar ao qual pertence e nele a
paz que tanto buscou em vida.
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